25 agosto 2006

Um livro sem dia marcado

Veinte Años y un Dia
Jorge Semprún

Algures entre um romance autobiográfico e uma biografia romanceada, este livro é daqueles que não se poisam até ao fim. Conta uma parte importante da História dos nossos vizinhos, durante e após a guerra civil. A pretexto de um episódio familiar numa aldeia recôndita do centro de Espanha, conta-se do convívio entre revolucionários e torcionários, e do feudalismo da sociedade espanhola (ibérica?) em pleno século XX, com a cobertura das ditaduras.
As personagens reais, como Hemingway que por ali andou nas brigadas internacionais ou Lorca que escrevia nessa época A Casa de Bernarda Alba, confundem-se com as ficcionadas, outras ainda confundem-nos a nós, sem sabermos se são reais, semi-reais ou ficcionadas.
Está cheio de referências várias, sobretudo de pintura e literatura, que nos dão vontade de ir conhecer uma série de outros autores.

18 agosto 2006

Nas memórias políticas de Eric Hobsbawm

"(...) Não tenho quaquer obrigação moral de observar as práticas de uma religião ancestral e muito menos de servir o pequeno Estado-nação militar, culturalmente frustante e politicamente agressivo, que solicita, em termos raciais, a minha solidariedade. Não me convém sequer a postura, muito mais em voga neste começo do novo século, que é a da "vítima", a do judeu que, valendo-se da força do exemplo da Shoah (e numa época única e sem precedentes de realizações mundiais, de sucesso e de aceitação generalizada no que se refere aos judeus), afirma perante a consciência mundial os direitos exclusivos que lhe assegura a perseguição sofrida. O bem e o mal, a justiça e a injustiça, não podem ser a bandeira de uma só raça ou de uma nação só. (...) E se fizermos a experiência mental de imaginar que o sonho de Herzl se tornou realidade e que todos os judeus acabaram por se integrar num pequeno Estado territorial independente, no qual foram excluídos dos plenos direitos de cidadania todos os que não eram filhos de mãe judia, veremos como essa perspectiva seria nefasta não só para a restante humanidade, mas também para o próprio povo judeu".
"Tempos interessantes-uma vida no século XX. As memórias políticas do maior historiador do nosso tempo"
Porto, Campo das Letras, 2005.

Dia de branqueamento

Ontem foi o dia oficial do branqueamento do ditador Marcelo Caetano. Foram horas de emissões televisivas... Assim de passagem ouvi apenas uma das alegações da filha do dito: "ele era um homem muito emotivo".

Imagino. Devia ser só emoção e lágrimas de cada vez que alguém era preso, torturado ou morto. Mandar miúdos para uma guerra inútil e estúpida deve ser cá uma comoção... vê-los voltar estropiados ou mortos, então, imagino que desse para um rio de lágrimas. Se era assim com isto, imagine-se só a emoção de ver as imagens dos massacres nas aldeias africanas. E ele, coitadinho, que era Presidente do Conselho, ali... impotente para fazer fosse o que fosse para acabar com estas situações.


Não ouvi mais nada, nem era preciso. Estava tudo dito, dali não podia vir mais nada.
Sempre podiam ter aproveitado o dia para ensinar aos mais novos quem foi o ditador Marcelo Caetano, o que fez aos pais e avós deles e o que é uma ditadura.

Um ditador é um ditador, ponto final.
E não há lixívia que apague uma ditadura.

Intervalo

Fazemos uma pausa no espectáculo, que retomará brevemente. Acontece que eu vou para o reino dos Algarves e a J. está com problemas de computador e ligação à internet. O blog fica assim entregue aos amigos do Gaspar durante uns dias.

14 agosto 2006

Cessar fogo

Finalmente!!!

Morreram em Israel cerca de 40 pessoas, e no Líbano mais de 1200. O Telejornal acabou de mostrar os refugiados de ambos os lados: as condições em que vivem não são sequer comparáveis. As tendas israelitas são grandes, limpas, arrumadas, com sacos-cama e espaços de privacidade. Quando voltarem, estas pessoas vão encontrar as suas casas inteiras com tudo o que lá deixaram. Aliás, lembro uma reportagem da semana passada em que as pessoas no centro de Jerusalém se passeavam calmamente enquanto soava o alarme. Sabiam que o perigo não era assim tão grande e as probabilidades de apanharem uma bomba relativamente remotas. O/A "jornalista", coitadinho/a, concluía que, face ao perigo diário e rotineiro, as pessoas perdiam o medo. Os libaneses não perderam o medo, mesmo sendo rotineiro. Os londrinos há 60 anos também não. O/A "jornalista" não sabe que o medo não se perde pela rotina. Casos de insanidade nessas condições acontecem, mas não são a regra, e o mais comum é o contrário: ter medo mesmo quando não é justificado.

Do outro lado, as condições de vida dos refugiados são muito direferentes. Para eles, voltar a casa é uma aventura, porque as pontes, as estradas, as vias foram destruídas. E ao chegar, pode haver apenas um monte de escombros à espera.

Agora fala-se em desarmar terroristas: devia começar-se pelos terroristas mais perigosos e armados, não? Quando é que se desarmam os governos terroristas?



Bom, pelo menos nas últimas 14 horas não houve bombardeamentos. Esperemos que seja para continuar assim, e que agora a UE e a ONU (deveria falar nos EUA, mas não conto muito com isso) tenham uma boa desculpa para fomentar uma Paz verdadeira no Líbano, sem invasores exteriores e sem guerra civil.

E a Palestina?

11 agosto 2006

Beirute III

"Beirute" (dos Trovante) fica enquanto tiver que ficar. Esperemos que seja pouco tempo.

Com esta história dos planos terroristas descobertos hoje, é só mais uma desculpa para legitimar e continuar esta política do terror e as guerras dos EUA e amigos/ lacaios contra quem lhes apetece. Cá espero mais informação sobre esta história, que por enquanto ainda não está nada clara...


No sábado houve uma manifestação internacional contra as invasões, mas parece que os portugueses se afundaram ou se afogaram nas praias. Cá não houve nada!

Mais maravilhas do Mundo

A amizade e o reencontro dos amigos.
E uma boa desculpa para voltar a ouvir o Sérgio Godinho.

Parabéns, Obikwelu!


Este rapaz é fantástico! Fazendo as contas, ele corre a cerca de 36km/h! Eu sei que é teórico, porque esta velocidade só se mantém durante 20 segundos. Mas lá que corre a esta velocidade, isso corre!

Agora a sério, parabéns e obrigada!

05 agosto 2006

Ainda a Memória e o jornalismo

A propósito ainda de jornalistas e jornalismo, um artigo de José Mário Branco que diz precisamente aquilo que eu penso sobre os meios de comunicação actuais, mas muito bem formulado e fundamentado; num blog que vale a pena visitar regularmente e que guarda e alimenta a memória de José Afonso.

Memória e jornalismo - OMO, lixívia, VPV e outros branqueadores...

Tem andado no Público uma polémica forte sobre branqueamento do fascismo, da guerra, da PIDE, etc. Nenhuma destas referências tem ligações, o que é uma pena, mas a direcção do Público é o que é...
A origem de tudo isto foi um excelente artigo de São José Almeida sobre o Movimento Não Apaguem a Memória, a preservação da memória, e o branqueamento que se vai fazendo a cobro da "isenção" ou de uma tal "imparcialidade" (que na realidade é bem parcial). O Pulido Valente não gostou e deu-lhe com o branqueador: que não, que ela é ignorante, tapada, burra, e outras coisas que tais, que nem sabe o que é o fascismo, e que o Salazar, mesmo tendo morto uns quantos, não era fascista nem racista (ficamos a saber de como o VPV tem a enorme e rara felicidade de nunca ter aprendido o que é racismo) .

Ora ontem veio a resposta de Vítor Dias, outro artigo a ler (infelizmente, mais uma vez, sem ligação). Explica este senhor ao dito VPV que ele não tem nada que alterar os factos e a história lá à sua moda; e chama a atenção para novas correntes de opinião que se posicionam como de apaziguamento histórico: tiram letras às Revoluções, e em laia de "respeito histórico" põem em pé de igualdade ditadores e revolucionários - Humberto Delgado passaria assim a ser tão importante para o país, para a História e para a Memória colectiva nacional como o seu assassino, recentemente morto em liberdade e sem julgamento.

VPV responde-lhes hoje, mas não comprem o jornal por isso... há tanta coisa que vale a pena ler por aí, e a vida são dois dias... Eu resumo: basicamente faz um tom mais de birra e continua a defender o indefensável, e até já temos o Salazar a ser melhor que a I República. Ficamos também com a declaração escrita de que é Marcelista.

Eu declaro também que não me importo de lhe dar boleia de chaimite até à Portela e de o meter num avião para o Brasil, como se fez ao seu ídolo. Não acredito é que os brasileiros estejam para aturar mais um tipo do mesmo calibre, até porque não fizeram mal a ninguém e não têm culpa nenhuma no caso.

04 agosto 2006

Pérolas do Supermercado

Ouvido entre prateleiras de leite, ovos e arroz:

1. "Aquilo lá no Euromilhões há marosca. Então eu jogo 10 contos todos os meses, os subsídios de férias e 13º mês completos, e nunca me saiu?! O Totoloto, não, o Totoloto é diferente: já uma vez me saíram 600 contos."
- então não saiu? Um emprego com subsídio de férias e 13º mês já vai sendo quase tão raro como o Euromilhões! Dá Deus nozes a quem não tem dentes!

2. Responsável de publicidade a uma marca de café: "Olhe que este café é tão bom, tão bom, que o meu filho com 12 anos já bebe 9 ou 10 por dia."
- esta é a versão moderna das sopas de cavalo cansado.

E é desta forma que uma simples ida ao supermercado se torna numa deprimente constatação do estado de ignorância do nosso povo. Isto não tem a ver com analfabetismo, escolaridade ou coisa que o valha. É simples bom senso! Qualquer mãe com algum tino sabe que o café faz mal, sobretudo em tais doses, até muitas mães que davam as tais sopas de vinho o sabiam, não tinham era outra forma de aquecer as crianças, porque não tinham dinheiro para uma manta ou roupas quentes.

Então e uma pessoa gasta o que não pode num concurso, mesmo se desconfia que há batota? E pensa em tudo isto, menos em parar??? Não, não é uma questão de primeira classe, nem de liceu, nem sequer de doutoramento. É estupidez e falta do mais básico senso comum, daquele que passa de pais para filhos, independentemente de toda a alfabetização e escolarização. Aliás, o que não falta são pérolas do mesmo género saídas de brilhantes universitários!

02 agosto 2006

O vento que abana a cevada

Na tradução oficial, e para não variar, o título foi adulterado para "Ventos de Mudança". O original é "The wind that shakes the barley" - o vento que abana/ sacode a cevada.


Mas o essencial é que este filme de Ken Loach ganhou este ano a Palma de Ouro de Cannes, e foi muito bem ganho. Outros filmes, como o "Volver" de Pedro Almodôvar, teriam sido também justos vencedores.

Ken Loach conta-nos a história de dois irmãos na cisão que levou à guerra civil de 1922 na Irlanda, e fá-lo de um ponto de vista do interior da própria cisão, de dentro do próprio IRA. É um filme duro, difícil de ver, forte, parece mais longo do que é na realidade pelo desconforto em que nos põe. Faz o que deve fazer um filme destes: a informação básica já nós temos, já todos sabemos mais ou menos o que se passou/ passa na Irlanda. O filme pode eventualmente é clarificar-nos algumas datas ou alguns episódios que não conheçamos. Também sabemos que esta história de 1922 é igual ou muito parecida a outras que se passam hoje noutras partes do mundo. O que precisamos é de perceber como as coisas são na realidade.
No fundo, falta explicar a quem se pode sentar confortavelmente numa sala de cinema, como é ter aquela outra vida, de modo a que esta pessoa o entenda realmente. E isso, a assimilação verdadeira, só é possível com a inteligência emocional (que António Damásio explica). Assim (muito) resumido, só percebemos realmente quando entendemos com o coração.

É o que Ken Loach e um punhado de excelentes actores nos traz: a compreensão emocional do que é uma guerra fratricida, na Irlanda, em Jerusalém, Beirute, ou seja onde fôr...