31 outubro 2007

O nacionalismo social (1)


“Devemos concordar com Gellner que o aparente domínio ideológico universal do nacionalismo actual é uma espécie de ilusão óptica. Um mundo de nações não pode existir, apenas um mundo onde alguns potenciais grupos nacionais, ao reivindicarem este estatuto, excluam outros de fazerem reivindicações similares, o que, como acontece, poucos fazem.”[1] De facto, analisando as pretensões actuais do PKK e do seu programa político podemos afirmar como Hobsbawm que o nacionalismo pela “ sua própria ambiguidade e falta de conteúdo programático dá-lhe apoio potencialmente universal na sua própria comunidade”.[2] Ou seja, não é de nações que estamos a falar, já que esse mundo não existe mas sim de circunstâncias propiciadoras ou favoráveis ao aparecimento da ideia nacional. O que é um facto é que a ideia ou reivindicação nacional está no caso dos curdos aliada à existência de uma comunidade, que, se não está unida pela língua, ou religião ou politicamente, está, genericamente, unida pelo sentimento de pertença a uma comunidade e pela vontade de fazer coincidir essa identidade com um território político. Não existe como nação porque não cumpriu, no fundamental, um dos critérios, que é a força militar e imperialista, usados ainda hoje (não de forma absoluta) para a legitimação ou reconhecimento de países, independentemente do facto de serem ou não uma nação.
Cabia-nos fazer a análise desse universo abstracto que é a nacionalidade e averiguar, para este caso, o seu conteúdo concreto. Não podemos incluir este movimento, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, ( PKK, fundado oficialmente em 1978, embora as suas origens remontem a 1973) no mesmo saco daquilo que Hobsbawm considera nacionalismos mascarados de roupagem social e se confinam realmente à luta pela independência do país. Como é o caso de alguns países chamados do Terceiro Mundo, especialmente após a Descolonização. e o fim da II Grande Guerra. Era uma boa forma de arranjar apoios internacionais junto do Komintern, por exemplo; fazer aderir as pessoas a uma causa que consideravam imediata, os problemas sociais reais da sua vida, identificando o problema com opressor, invasor, ocupante, o que for. “ Até que ponto podem os novos movimentos anti-imperialistas ser considerados nacionalistas, é uma questão que está longe de estar esclarecida (...) ampla sobreposição dos apelos de descontentamento nacional e social, que Lenine, com a sua habitual rápida percepção das realidades políticas, transformaria num dos alicerces da política comunista no mundo colonial (...) A combinação das exigências sociais e nacionais, em geral, provou ser muitíssimo mais eficaz como mobilizadora da independência”.[3]
O movimento nacional, qualquer que seja, existe na identificação de um Outro. Neste caso, o(s) outro(s) é responsável por uma ocupação violenta, e pela exploração económica dos curdos. Tanto que no programa do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, partido de raiz marxista-leninista, são apontados dois objectivos: a revolução democrática e a independência do Curdistão. Reconhecem que isto não será possível sem a mudança de regime na Turquia e defendem, por isso, a mesma revolução democrática na Turquia como condição indispensável para a sua independência. “The Kurdish national liberation movement uses the term “nation” to represent a people with a shared language, culture, history, and territory. In this sense the term is closely tied to social relations and must be looked at in its historical context, in contrast to burgeois concept of “nation”, in wich the nation is separeted from the social relations and is not judged according to its historical creation and development.”[4]
Na Síria, quando os árabes tomaram o poder depois da breve permanência francesa, não reconheceram como cidadãos daquele país os curdos que viviam na região. Tentaram depois estabelecer na mesma região sírios, política que foram obrigados a abandonar. No sul do Curdistão, o Iraque segue a mesma política de ocupação da Turquia. Uma revolta do KDP, Partido Democrata Curdo em 1974 foi derrotada. E o Iraque prossegue a sua política de ocupação, sendo noticiado em 1980 uma campanha genocida que levou à morte cerca de 200 mil curdos e ao deslocamento forçado de cerca de meio milhão. Estes mesmos curdos foram utilizados barbaramente durante a Guerra do Golfo por ambas as partes, tanto os Aliados, ao criarem a zona aérea de segurança que depois usaram não para proteger os curdos refugiados mas para ocupar militarmente a área, como pelo regime de Hussein que os utilizou como escudos contra os ataques aéreos. No meio desta situação os curdos dividiram-se , o KDP pensou estar a independência assegurada se apoiasse os americanos, depois recuou e apoiou o Iraque para conseguir obter apoio contra o PUK, União Patriótica do Curdistão, partido rival com quem se degladiam em intermináveis guerras civis.
No Irão, aquando da invasão durante a II Guerra Mundial pelo exército vermelho pelo norte e britânicos pelo sul, os curdos, e habitantes do Azerbaijão declararam as suas próprias repúblicas, com o apoio do exército soviético. Quando este exército retira, as duas repúblicas são destruídas pelo xá. Actualmente os curdos que vivem no Irão não têm qualquer vínculo ou semelhança com a sociedade iraniana.
O PKK diz ter aparecido na Turquia porque o KDP não representava senão os interesses de uma pequena burguesia, pautava-se por uma resistência regional e localizada sem noção do conjunto que representava o Curdistão. Desde 1938, com a derrota curda na revolta de Dersim, a ocupação turca ficou completa, iniciando-se um período de construção de estradas pelo governo turco direccionadas essencialmente para os locais curdos ricos em minérios. A formação do grupo do futuro PKK remonta a 1973, quando o seu líder estudava Ciências Políticas na Universidade de Ancara. A ele se juntaram outros estudantes de origem curda, estudantes que militavam em partidos turcos, e em associações orientais. Este grupo iniciou as suas actividades junto do núcleo de estudantes AYOD, Ancara University Student Union, que se transformou no local de reunião dos estudantes anti-regime. Dos grupo de debate saiu a resolução de tomada de acção em torno da questão curda; Abdullah Ocalan, Cemil Bavyk, Kemal Pir, Hakki Karer e Ali Haydar Kaytan seriam os primeiros do movimento e dirigiram-se cada um a vários pontos do Curdistão a fim de se aproximarem, numa primeira abordagem aos estudantes, da população curda. Em 1977 estas jornadas de propaganda pessoal deram os frutos num encontro que reuniu 100 representações de grupos profissionais que fizeram o balanço das actividades até ali desenvolvidas e estabeleceram os objectivos futuros daquele grupo político. Durante este período a polícia secreta no Curdistão (MIT) preparou a eliminação deste grupo assassinando Kemal Pir e Hakki Karer. Este tipo de acção por parte da polícia turca demonstrou que seria impossível a revisão da questão curda dentro de um quadro legal e reformador. Em 1977 Abdullah Ocalan escreve o manifesto “ The National Road to the Kurdish Revolution”, que se transformou na base ideológica do futuro PKK.
[1] Ibidem, p.171.
[2] Ibidem, p.168.
[3] Hobsbawm, Eric, Ibidem, p. 117.
[4] Nationalism And The Kurdish National Liberation Movement, Kurdish Information Bureau, Cologne, Março de 1995.

26 outubro 2007

Emergência do Nacionalismo Curdo



Se seguirmos alguns autores[1] que se debruçaram sobre a história curda, podemos situar a questão da nacionalidade como dinâmica do seu desenvolvimento no período que se seguiu ao fim da I Grande Guerra. De facto, este período foi pródigo, no velho continente, em movimentos nacionais, bem como na constituição de novas fronteiras. Este período é considerado actualmente pelos curdos como a melhor oportunidade que houve para a constituição daquilo que esperariam vir a ser o Estado Curdo. A análise do PKK sobre a não rectificação deste ponto no Tratado de Lausanne incide sobre a própria estrutura da sociedade curda, que, dado o seu arcaísmo, a sua organização em famílias ou clãs que sustinham hierarquicamente uma sociedade baseada em actividades do sector primário, aliado a uma história milenar de ocupação que transformou o Curdistão em campo de batalha de persas e otomanos, não permitiu que esta sociedade tão desorganizada pudesse aproveitar da especial circunstância de não haver, durante esta altura, potências com capacidades de ocupação ou estabelecimento na região.
“ The Sheikh Said rebellion, then, was a prototype of a post-World War I nationalist rebellion. Its weakness were the usual ones: inter-tribal rivalry and Sunni-Shi‘i differences (...) These cleavages were exacerbated by the Naksibandi/non Naksibandi differences as well. These, rather than the differences between Zaza and non-Zaza speakers, played an important role in the evolution of the rebellion and in the growth of Kurdish nationalism. Urban-rural cleavages, tribal-peasant and landowner-tribal hostilities, and antithetical secular- religious orientations among its leaders all contributed to its lack of success.”[2]
A revolta do Sheikh Said liderada pela cidade de Azadi de 1921 a 1925, foi entendida até aqui pela maior parte dos autores ocidentais e orientais, como uma rebelião reaccionária contra as reformas seculares do novo Estado turco. Uma resistência religiosa, liderada por Sheikhs , ou seja, por uma elite, que beneficiava da falta de um poder centralizado. Poder que crescia pela necessidade de modernização do Estado turco, ou seja, para que este pudesse acompanhar o desenvolvimento económico imposto pelas potências vencedoras da I Grande Guerra. “ As exigências técnicas do moderno Estado administrativo ajudaram, uma vez mais, a alimentar a emergência do nacionalismo”.[3]
Segundo a perspectiva dos autores que estudaram a revolta de Sheikh Said, ela constitui um ponto de viragem no discurso curdo e é mais do que uma reacção imediata às medidas centralizadoras do recém Estado turco. É a primeira manifestação numa escala significativa do nacionalismo curdo. “ Martin van Bruinessen, the only scholar who has studied the rebellion in detail, has stated emphatically that “the primary aim of both ( Sheikh Said and the Azadi leaders) was the establishment of na independent Kurdistan.” Sheikh Said is an example of a man who was simultaneously an ardent nationalist and a committed believer “.[4] Embora múltiplos interesses pudessem ocultar-se melhor ou pior na revolta de Sheikh Said, como a necessidade de proteger terras e direitos sobre populações ( hipoteticamente até mais pesados do que se fossem garantidos pelos turcos); a não aceitação da abolição do califado, a verdade é que daí em diante, na revolta de Zeylan ( 1930) e de Agri ( 1926-1932) por exemplo, os slogans nacionais iriam ser utilizados em abundância. E é também um facto de que a vontade ou o sentimento da constituição de uma nação traduzem-se, geralmente, num discurso de elite. “ (...) independentemente da natureza dos grupos sociais captados pela “consciência nacional”, as massas populares –os trabalhadores, os empregados, os camponeses –são os últimos a serem afectados por ela”.[5] Mas o mesmo autor também diz que é um “ fenómeno dual, construído essencialmente a partir do topo, mas não pode ser compreendido se não for analisado igualmente a partir da base, isto é, em termos das associações, das esperanças, necessidades, desejos e interesses do povo, não sendo estes necessariamente nacionais nem nacionalistas”.[6]
Para Robert Olson a revolta de Sheikh Said reveste-se de importância fundamental para compreender a evolução política do novo regime na Turquia. De facto, para a supressão desta revolta alargada, no tempo e no espaço (os sheikhs não deixaram de ter contacto com outros pontos de rebelião, nomeadamente no Iraque e em Istambul), a Turquia construiu um manancial de instrumentos que acabaram por ser usados na consolidação do novo regime e na liquidação da oposição interna ao governo kemalista. “ The point that I wish to make here is that the machinery to facilitate the crushing of the opposition both politically and legally was put into place in the effort to suppress the Sheikh Said rebellion. Ironically, many of those sentenced to death in the Izmir plot [conspiração para assassinar Mustafa Kemal] had voted for the very independence tribunals to which they fell victim. While the Kemalists had to wait until the purges of June-July 1926, nearly a year after the suppression of the Sheikh Said rebellion, to rid themselves of remaining opposition, the formal and organized opposition as represented by the Progressive Republican party was eliminated when the party was banned on June 3 in 1925”.[7]
O nacionalismo curdo chocava assim num outro, o turco, mais poderoso e com mais possibilidade de sucesso dado o seu carácter abrangente; o nacionalismo curdo reivindicava uma nação curda, ao contrário da nação turca, que abrangia aquela. “(...) a construção de nações foi vista inevitavelmente como um processo de expansão (...) era aceite, em teoria, que a evolução social expandia a escala das unidades sociais e humanas de família e tribo para país e cantão, do local para o regional, o nacional e, eventualmente, o global (...) isto queria dizer que se esperava que os movimentos nacionais fossem movimentos para a unificação ou expansão nacional (...) a heterogeneidade nacional dos Estados-nação era aceite, acima de tudo, porque parecia evidente que as pequenas nacionalidades, e especialmente as pequenas e atrasadas, teriam tudo a ganhar se se unissem a outras nações e, através destas, dessem os seus contributos à humanidade”.[8] Esta era uma ideia liberal de nação, mas subsiste e perpassa o espírito wilsoniano do pós guerra. Não se quer com isto dizer que o não reconhecimento da nação curda se deveu a este espírito mas somente referir que o nacionalismo turco era mais poderoso pelo seu carácter unitário. Também se pode daqui inferir que o nacionalismo curdo, contextualizado historicamente, se deveu, como deve, actualmente, ao confronto com o nacionalismo turco, que, se não inventou a nação curda, foi, no entanto, responsável pela sua dinamização. A isto não deve ser alheio o facto de ser precisamente na Turquia que se desenvolveu e desenvolve o mais consistente e sistemático pólo de resistência curda (é esta também a zona mais desenvolvida do Curdistão), apesar dos curdos identificarem e reivindicarem como o Curdistão um território que abrange, para além de boa parte da Turquia, parte da Síria, do Iraque e do Irão. Território que coincide com a permanência do povo curdo ao longo da História. Mas antes do nacionalismo turco também é verdade que “na era clássica do liberalismo poucos deles, fora do Império Otomano, realmente pareciam fazer reivindicações de reconhecimento como Estados soberanos independentes, distintas de reivindicações de vários tipos de autonomia (...) Não seria de mais dizer que, a partir de 1871 – exceptuando sempre a lenta desintegração do Império Otomano -, poucas pessoas esperavam mais algumas mudanças substanciais no mapa da Europa”.[9]
A revolta de Sheikh Said demonstrou uma força militar curda considerável, devida ao contacto com a novas armas e tecnologias bélicas quando participaram nos exércitos otomanos, persas e britânicos. No entanto esta vantagem não foi acompanhada da força da diplomacia, igualmente moderna. Demonstrou também uma enorme vulnerabilidade política e no terreno dado o desaparecimento dos Arménios, que haviam constituído uma espécie de estado-tampão. Ironicamente os curdos tinham participado na deportação e massacre turco deste povo.( desde 1915). “ (...) A expulsão em massa e até mesmo o genocídio surgiram perante todos nas margens do Sul da Europa, durante e após a I Guerra Mundial, quando os Turcos começaram a extirpação em massa dos Arménios em 1915 e após a guerra grego-turca de 1922 ter expulsado entre 1,3 a 1,5 milhões de gregos da Ásia Menor, onde tinham vivido desde os tempos de Homero”.[10] A migração em massa foi um dos fenómenos marcantes do período pelo nível até aí nunca verificado. A diáspora de povos serviu também para acalentar fortes sentimentos nacionais.
Outro agente importante a ter em conta na rebelião de Sheikh Said e na sua subsequente repressão foi o império britânico e a sua tentativa de controlo no Médio Oriente depois da I Grande Guerra. De 1922 a 1925 levam a cabo inúmeros bombardeamentos aéreos sobre curdos e árabes no norte do Iraque. Ataques aéreos que repetirão no Sudão, e na Palestina, por exemplo, demonstrando o seu poderio bélico que acompanhava anseios colonizadores daquelas regiões. A Turquia retira deste tipo de acção um exemplo prático para a sua acção de domínio na região, adquirindo extenso material aéreo e varrendo os ares em inúmeros ataques pelo Curdistão.

[1] Como Robert Olson, Erik Jan Zurcher, Metin Toker.
[2] Olson, Robert, “The emergence of Kurdish Nationalism and the Sheik Said Rebellion, 1880-1925”( conclusion), Austin, University of Texas Press, [ s.d.].
[3] Hobsbawm, Eric, A Questão do Nacionalismo, nações e nacionalismo desde 1780, Lisboa, Terramar, 1998 ( edição original 1990), p.94.
[4] Olson, Robert, Idem.
[5] Hobsbawm, Eric, Idem, p.15.
[6] Ibidem, p.14.
[7] Oslom, Robert, Ibidem.
[8] Hobsbawm, Eric, Idem, pp. 32-34.
[9] Hobsbawm, Eric, Idem, p.37 e p.41.
[10] Ibidem, p.129.

23 outubro 2007

CURDISTÃO


"O Curdistão não existe. É um país inventado pelos curdos."
Alberta Marques Fernandes, jornal2, 22-10-07





As notícias vindas a público nos últimos dias dão conta de uns rebeldes pertencentes a uma organização "considerada terrorista" pela UE e pelos EUA, o PKK. Acho interessante que não seja dito liminarmente terrorista, já que é entendida assim pelo mundo civilizado. Talvez o PKK seja apresentado como organização considerada terrorista porque há menos de uma década tinha relações diplomáticas com grande parte do mundo, tinha uma estação de tv em Londres a emitir para toda a Europa na língua curda-falada por milhões e não reconhecida pela Turquia.
As notícias dão-nos conta também de um ataque do PKK a uma coluna militar turca causando algumas baixas no exército deste país. Não se diz o que estava a fazer e para onde ia a coluna militar turca. Ataque que terá gerado a vontade da Turquia em fazer uma incursão no norte do Iraque para eliminiar os focos rebeldes.
O que siginifica uma língua comum, uma cultura e história conjuntas, uma religião comum, um sentimento identitário de pertença a um conjunto histórico-cultural? Sem fronteiras políticas nem interlocutoes que forçassem a sua pertença no concerto das nações para as impôr no fim do império turco-otomano o Curdistão ficou didivido entre quatro países e desde essa altura se tem batido, com inúmeros agentes em que o PKK assume um papel preponderante, pelo reconhecimento da sua identidade cultural bem como pelo reconhecimento das suas froteiras e nacionalidade.
Apresento em baixo -em alguns capítulos- um trabalho feito em 1998 sobre a emergência do nacionalismo curdo.
Fica também o link para um texto de Miguel Portas depois de visitar o Curdistão em 2005

Curdistão - Sintese Histórica

O mais antigo testemunho de uma cultura unificada entre os povos que habitam as montanhas do Curdistão remonta ao período da cultura Halaf, cerca de 6000 ac. A distribuição dos vasos que identificam este tipo de cultura e o território onde hoje se estabelece a maioria do povo curdo é quase idêntica. “ James Melaart, better known for is escavation of Catal Huyuk, found many of the motifs and composite designs present on Halaf pottery and figurines still extant in textile and decorative designs of the modern Kurds who now inhabit the same excavated Halafian sites.” A unificação deste tipo de cultura ficar-se-á a dever a constantes migrações pressionadas pela forte densidade demográfica, e pelo desenvolvimento de actividades económicas ligadas ao nomadismo, característica das populações entre o Tauro e o Zargos. Cerca de 5300 ac. a cultura de Ubeid expande-se nesta zona e na Mesopotâmia durante cerca de mil anos. É deste período que nascem os nomes das principais cidades sumérias e os nomes dos rios Tigre e Eufrates. Cerca de 4300 ac. os Hurritas chegam a esta região estabelecendo nova hegemonia donde herdam os curdos nova unificação e identidade. “ The fundamental legacy of the Hurrians to the present culture of the Kurds is manifest in the realm of religion, mythology, martial arts, and even genetics. Nearly two-thirds of Kurdish tribal, topological and urban names are also likely of Hurrians origin (...) By the end of the Hurrian period, Kurdistan seems to have been culturally and ethically homogeneized to form a single civilazation wich as such by neighboring cultures and peoples.”
No ano 2000 ac. os povos indo-europeus como os Hititas e os Mitânios chegam ao sudoeste asiático, estes últimos fixam-se no Curdistão Podem ter sido responsáveis pela introdução de tradições do Índico na religião Yasnadista. No entanto é cerca de 1200 ac. que os povos indo-europeus varrem esta zona com maior incidência, nomeadamente os Arménios, os Persas, os Sármatas, etc. Estes povos empurraram os povos das montanhas para o sul do Zargos. “ As early as the 3rd century BC, the Cyrtii ( “Kurti”) are reported by Greek, and later by Roman authors. To inhabit as much the southern ( Persia or Pars/Fars) as the central and northern Zagros ( Kurdistan proper). This was to continue for another millenium, when early Islamic sources also enumerate tens of Kurdish tribes in the southern Zagros (...) While many hypotheses have been advanced to connect the ethnic name “Kurd” to that of the ancient Hurrian Qutils ( Hallo, 1971) or the Khardukhoi ( Carduchoi) of the Greek historian Xenophon ( Cawkell, 1979), none have much merit. Whatever the roots, there is evidence to push the origin of the word “Kurd” back at least to the early 4th millennium BC, if not earlier.”
Os árabes ocupam toda esta área a partir do século sétimo e no século X árabes e curdos vivem conjuntamente. No século seguinte assiste-se à chegada de turcos que se convertem ao islamismo e tornam-se senhores destas regiões. É provável que os curdos tenham sobrevivido a uma assimilação devido ao nomadismo das suas tribos, mesmo assim são muitas que preservam nomes turcos como por exemplo Karachul, Chol, Devalu, Oghaz, são, no entanto os nomes e pouco mais da permanência cultural de turcos Seljucidas No século XVI as guerras entre Persas e Otomanos, tiveram impacto importante na vida de Curdos e Arménios. A partir daqui o Curdistão ficou dividido entre os Safáfidas e o Império Otomano. O nomadismo assume característica plena e indissociável na economia destes povos. Actualmente três quartos dos curdos fala o dialecto dos Kurmanji, a tribo nómada mais recuada a quem se ficou a dever a sobrevivência da cultura curda durante as migrações árabes e turcas, e a quem grande parte dos curdos após a invasão do Império Otomano vai ser obrigado a juntar-se. Com particularismos e adaptações próprias derivadas de múltiplas influências a maior parte dos curdos é hoje, no entanto, muçulmana. Cerca de 75% são membros da corrente sunnita, cerca de quatro milhões são shiitas, principalmente os que vivem no Irão. Os restantes curdos seguem vários cultos ancestrais, o Yezidismo, por exemplo que comporta tradições judaicas, cristãs, islâmicas, zoroastrianas. Embora minoritários os Yezidistas são uma fonte de orgulho, pela tradição que transportam, para curdos de outras religiões.
A princípio o Império Turco-Otomano deixou alguma autonomia aos poderes locais curdos, mas a partir do século XVIII, a perda de poder do Império Otomano obrigou-o a pressionar os territórios em seu poder, quer militar, quer económica ou fiscalmente. Na área de influência que era controlada pelos sheikes do futuro Irão, instituiu-se uma espécie de governo autónomo baseado em dinastias locais de tipo feudal. O Curdistão transformou-se num campo de batalha entre estes dois poderes e manteve-se, desta forma, dividido.
No século XIX a força do Império Otomano está em crescente declínio, com o desenvolvimento do capitalismo na Europa Ocidental e as suas necessidades de domínio sobre outras partes do mundo. Durante este período as necessidade fiscais e económicas recaem sobre a zona do Curdistão com especial violência e intensidade. Verificaram-se rebeliões contra o poder otomano por parte dos poderes locais, apoiadas por famílias que perdiam assim o controle que tinham sobre certas regiões, este poder ia desde a aplicação da justiça, do fisco até ao controle das actividades económicas. Não era assim uma rebelião nacionalista como acontecia na mesma altura em vários pontos da Europa, mas sim uma reacção das elites locais contra a sobreposição de poderes que até aí eram do seu domínio exclusivo. As revoltas foram suprimidas com um aumento significativo do papel regulador do Império Otomano.
Com o desmembramento do Império Otomano após a I Guerra Mundial e o aparecimento de Estados como o Iraque, a Síria, a Palestina , a Transjordânia e o Líbano, o Curdistão vê reconhecida a sua autonomia no Tratado de Sèvres em1920, o mesmo que consagra as novas nacionalidades e reduz o império à Turquia situada no planalto da Anatólia. (Logo em 1921 é assinado o Tratado de Ancara, com a França, que prevê a anexação de larga porção do Curdistão na República da Turquia.) Assiste-se ao fim dos grandes impérios e neste caso ao fim de mil anos de história. O califado turco será abolido a 1 de Novembro de 1922 com a chegada ao poder, através de uma sublevação militar, do nacionalista Mustafá Kemal Ataturk. A Turquia, como aliás outros Estados, recusa-se a aceitar as disposições territoriais dos Tratados do pós-guerra, e não rectifica o Tratado de Sèvres. Em 1923 é assinado o Tratado de Lausanne ( pela Turquia, França, Itália, Grécia, Roménia, Jugoslávia e Inglaterra com papel primordial) que substitui o anterior e em que as potências europeias reconhecem a Turquia como uma nação soberana, que não é obrigada, desta forma, a conferir o estatuto de independência aos curdos. O mesmo Tratado obriga a que a Turquia garanta, no entanto, a defesa e o respeito pelas minorias do seu país. Hoje, os curdos não são reconhecidos oficialmente como grupo minoritário naquele país.
(...)
Josina Almeida, O Nacionalismo Curdo à luz de Hobsbawm- História dos Nacionalismos, FLUL, 1998
[1] Izady, Mehrdad R., “Exploring Kurdish Origins”, in Kurdish Life, nº 7, 1993.
[2] Ibidem.
[3] Ibidem.

21 outubro 2007

Acção Directa




Quem acredita que vivemos no melhor dos mundos possíveis e que tudo está escrito dispensa qualquer reflexão sobre acções de luta que fogem do quadro legal em vigor. Manifestemo-nos com autorização do governador civil à hora certa, respeitemos os espaços destinados à manif. por trás das grades separadoras, respeitemos os metros de segurança entre nós e o ministério, entre nós e residência do PM, entre nós e a autoridade, para podermos fazer parte comum no quadro democrático. Não ficamos tão bem na fotografia? Podemos afagar a consciência e sem ter de entrar numa igreja.

Mas quem nos vai ouvir se partirmos uma montra?
E quem nos ouve se não a partirmos?

Quem acredita que o quadro democrático está longe de corresponder à realidade que a palavra/conceito enuncia/define então tem, talvez desde sempre mas especialmente agora, toda a legitimidade para tomar a realidade nas mãos e questioná-la/afrontá-la. É possível fazê-lo dentro das regras? As regras não são as de todos, nunca poderiam sê-lo.
No último ano dois acontecimentos marcaram a luta anti-capitalista no nosso país. Marcaram pela diferença, e pelas reacções. A dimensão e a forma destas reacções são aliás, quanto a mim, a forma como podemos avaliar o poder, real ou imanente, que estas acções tomaram. A manif. anti-fascismo no dia 25 de Abril que correu ruas e montras com sprays e a manif. no milheiral do Algarve. A polícia correu, na sua forma mais covarde e brutal, à bastonada os primeiros manifestantes com a quase ausência de actores políticos a tomarem posição. Veja-se o discurso do PCP no encontro parlamentar pós comemorações que versou as suas preocupações sobre a forma como Cavaco Silva entendeu apelar à renovação das comemorações de Abril. E veja-se também como nada disse o Bloco de Esquerda sobre manifestantes que na rua foram barbaramente agredidos por estarem, justamente, a atacar os fundamentos da sacrossanta propriedade. A violência da polícia é inversamente significativa do silêncio dos partidos que se reclamam da necessidade da alteração radical do estado de coisas. Bloco de Esquerda que, alguns meses mais tarde, volta a meter mãos pelos pés quando foi preciso vir a terreno apoiar os ecologistas que numa acção directa se apropriaram da política. O frenesim na imprensa pós declamações de Pacheco Pereira e a dimensão que tomou só nos pode dar conta, irremediavelmente, que em Silves se tocou no sítio certo.

15 outubro 2007

Ratifica aí


A democracia é uma chatice, ter de encontrar o ponto de equilíbrio entre tantas opiniões é uma maçada. Nunca mais saimos deste embróglio e como Portugal tem fama de marcar -especialmente com um sorriso vital para a fotografia - a agenda internacional José Sócrates quer fazer justiça não só à fama de Pinóquio que corre nas manifestações de trabalhadores que o acompanham mas ao legado pátrio de participar nas tristes misérias na história do mundo. Podemos assumi-lo, enquanto país pobre e pequeno estaremos sempre mais sujeitos a dobrar a espinha em contorcionistos fantásticos e enternecedores.
Prometeu um referendo sobre a contrução da Europa. Desconhecemos os conteúdos da nova proposta de Tratado. Se há uma crise política na Europa não é concerteza com o afastamento dos cidadãos das decisões que se encontrará o caminho para fora dela.

12 outubro 2007

Milagre rigoroso ou um rigoroso milagre

O processo de beatificação dos pastorinhos Francisco e Jacinta foi suspenso. "A Igreja é rigorosa, precisamos de um milagre" (cónego responsável pela candidatura).

04 outubro 2007

notas com docLisboa

A República tem quase cem anos e os assaltantes a bancos ameaçam tornar-se nos meus novos heróis. O país agrava o fosso entre ricos e pobres mas partido no governo, chamado de Socialista como lembrou Alegre num canto de cisne recente, insiste com inusitada violência na liberalização selvática. A social democracia abandonou-nos. Do outro lado da mesma moeda a oposição assume a identidade paroleiro-vilã com Menezes que Mendes/Cavaco e Acólitos tão bem ajudaram a criar. Sócrates o ditador simulacro-robotizado ou Menezes o transparente-porque-sem-nada popular e amigo dos amigos-do-alheio. Para melhorar os ingredientes da actuação em poucos actos acrescenta-se a subida crescente e continuada de todos os preços e do analfabetismo geral.
Porque nem tudo pode ser mau começa este mês o DOCLisboa