29 outubro 2010

Prontos também deste lado

DECLARAÇÃO


As medidas que o Estado português se prepara para tomar não servem para nada. Passaremos anos a trabalhar para pagar a dívida, é só. Acresce que a dívida é o menor dos nossos problemas. Portugal, a Grécia, a Irlanda são apenas o elo mais fraco da cadeia, aquele que parte mais depressa. É a Europa inteira que vai entrar em crise.

O capitalismo global localiza parte da sua produção no antigo Terceiro Mundo e este exporta para Europa mercadorias e serviços, criados lá pelos capitalistas de lá ou pelos capitalistas de cá, que são muito mais baratos do que os europeus, porque a mão-de-obra longínqua não custa nada. À medida que países como a China refinarem os seus recursos produtivos, menos viável será este modelo e ainda menos competitiva a Europa. Os capitalistas e os seus lacaios de luxo (os governos) sabem isso muito bem. O seu objectivo principal não é salvar a Europa, mas os seus investimentos e o seu alvo principal são os trabalhadores europeus com os quais querem despender o mínimo possível para poderem ganhar mais na batalha global. É por isso que o “modelo social europeu” está ameaçado, não essencialmente por causa das pirâmides etárias e outras desculpas de mau pagador. Posto isto, tenho a seguinte declaração a fazer:

Sou professor há mais de 30 anos, 15 dos quais na universidade.

Sou dos melhores da minha profissão e um investigador de topo na minha área. Emigraria amanhã, se não fosse velho de mais, ou reformar-me-ia imediatamente, se o Estado não me tivesse já defraudado desse direito duas vezes, rompendo contratos que tinha comigo, bem como com todos os funcionários públicos.

Não tenho muito mais rendimentos para além do meu salário. Depois de contas rigorosamente feitas, percebi que vou ficar desprovido de 25% do meu rendimento mensal e vou provavelmente perder o único luxo que tenho, a casa que construí e onde pensei viver o resto da minha vida.
Nunca fiz férias se não na Europa próxima ou na Índia (quando trabalhava lá), e sempre por
pouco tempo. Há muito que não tenho outros luxos. Por exemplo:há muito que deixei de comprar livros.

Deste modo, declaro:

1) o Estado deixou de poder contar comigo para trabalhar para além dos mínimos indispensáveis. Estou doravante em greve de zelo e em greve a todos os trabalhos extraordinários;

2) estou disponível para ajudar a construir e para integrar as redes e programas de auxílio mútuo que possam surgir no meu concelho;

3) enquanto parte de movimentos organizados colectivamente, estou pronto para deixar de pagar as dívidas à banca, fazer não um, mas vários dias de greve (desde que acompanhados pela ocupação das instalações de trabalho), ajudar a bloquear estradas, pontes, linhas de caminho-de-ferro, refinarias, cercar os edifícios representativos do Estado e as residências pessoais dos governantes, e resistir pacificamente (mas resistir) à violência do Estado.

Gostaria de ver dezenas de milhares de compatriotas meus a fazer declarações semelhantes

Paulo Varela Gomes
Texto publicado no jornal Público de 23 de Outubro de 2010 e copiado do blogue Pimenta Negra

25 outubro 2010

Revolução Traída#3

"A despeito da profunda diferença das suas bases sociais, o estalinismo e o fascismo são fenómenos simétricos. Bastantes traços os assemelham de maneira oprimente. Um movimento revolucionário vitorioso na Europa faria, imediatamente, estalar o fascismo e igualmente o bonapartismo soviético. A burocracia estalinista tem razão, do seu ponto de vista, em voltar costas à revolução internacional; ela obedece, procedendo deste modo, ao instinto da conservação. (...)


O gládio da ditadura, que ontem atacava os partidário da restauração burguesa, abate-se sobre aqueles que se insurgem contra a burocracia; ataca a vanguarda proletária e não os inimigos de classe do proletariado. Em relação com a modificação capital das suas funções, a polícia política, outrora composta pelos bolchevistes mais devotados, mais dispostos ao sacrifício, torna-se o elemento mais corrupto de burocracia. (...)


Em doze anos, o governo anunciou já muitas vezes a eliminação definitiva da oposição. Mas, no decorrer da "depuração" dos últimos meses de 1935 e do primiro semestre de 1936, centenas de milhar de comunistas foram, mais uma vez, expulsos do partido; neste número, várias dezenas de milhares de "trostkistas". Os mais activos depressa foram detidos, lançados na prisão, ou enviados para campos de concentração. Quanto aos outros, Estaline, por intermédio do Pravda, ordenou às autoridades locais que, não lhes dessem trabalho de modo algum. Num partido onde o Estado é o único empresário, uma tal medida equilave a uma condenação à morte pela fome. O velho princípio "quem não trabalha não come" é substituído por este: "quem não se submete não come". Quantos bolcheviques foram expulsos , detidos, deportados, exterminados, a partir de 1923, o ano do começo da era bonapartista, jamais o saberemos até ao dia em que se abram os arquivos da polícia política de Estaline. Quantos permanecem na clandestinidade, só quando o regime burocrático começar a afundar-se, nós o saberemos finalmente. (...)

Mais do que nunca, os destinos da Revolução de Outubro estão hoje ligados aos destinos da Europa e do mundo. O problema da U.R.S.S. resolvem-se na península ibérica, na França, na Bélgica. No momento em que este livro vier a ser publicado, a situação será provavelmente muito mais clara do que nestes das de guerra civil em Madrid. Se a burocracia soviética consegue, com a sua pérfida política das "frentes populares", assegurar a vitória da reacção em França e em Espanha -e a Internacional Comunista faz tudo o que pode nesse sentido - a U.R.S.S. encontrar-se-à à beira do abismo e a contra-revolução burguesa estará na ordem do dia, muito mais do que o levantamento dos operários contra a burocracia.


L. Trostky, a Revolução Traída (introdução de Pierre Frank), Lisboa, Edições Antídoto, 1977, pp. 275-281

23 outubro 2010

Premio de Património Cultural da UE em 2010



















Um prémio merecido (em Abril deste ano)para um grande projecto de museologia e protecção do património cultural. Coimbra esperou por ver renascidas do lodo as ruínas de Santa Clara-a-Velha e a espera valeu a pena. O centro de interpretação das Ruínas é, para além de um edifício fantástico, uma experiência a não deixar passar, algo que nos devolve o olhar para a história do vale onde se insere a ruína, para as suas desventuras, um olhar para pistas do que falta descobrir. Faltará sempre, mas um bom projecto de museologia (ou leitura histórica) é aquele que estabelece o melhor compromisso possível entre o presente e aquilo que nos chega (que nos resta). Estar naquele espaço é um bom presente.




19 outubro 2010

Quinze anos de combate a sério à evasão fiscal tornariam PEC "evitável"


13.10.2010 -In Público Por João Ramos de Almeida


Os números oficiais mostram que o Programa e Estabilidade e Crescimento (PEC) anunciado está mal repartido entre grupos sociais.

Vários estudos passaram pelas Finanças sem aplicação prática

O investidor Joe Berardo já assumiu que não será tocado. Os cortes nos benefícios fiscais (BF) das empresas pouco contribuem. Pouco se sabe ainda sobre o imposto sobre a banca.

Muito do desequilíbrio advém da urgência. O Governo - sob pressão externa - cortou na massa de contribuintes. Mas será possível encontrar outras fontes de receita que evitassem os cortes nos grandes montantes orçamentais da função pública, das despesas sociais e dos impostos indirectos que recaem sobre toda a população?

A resposta é afirmativa. Os dados da DGCI mostram que a evasão e fraude fiscal esconde elevados montantes por tributar e que os sucessivos governos perderam década e meia para combatê-las. Cortar os meios de fuga poderia ter evitado grande parte do PEC anunciado, caso tivesse havido vontade para avançar por aí.

Tributação do património

Em Abril de 1999, António Guterres incumbiu Medina Carreira de apresentar uma reforma da tributação do património, mobiliário e imobiliário. Mas Guterres recuou e apenas aceitou a tributação dos prédios urbanos. Mas nem isso avançou. Em 2003, o Governo PSD aprovou a reavaliação apenas dos imóveis urbanos vendidos. Os 11 milhões de prédios rústicos ficaram de fora e até agora apenas uma parte dos 6 milhões de imóveis urbanos foi reavaliada. A actualização das matrizes prediais não foi feita e não será cumprida a meta de 2013. O Governo está contra tributar as grandes fortunas. Mas por pressão do PP, um Governo PS acabou com o imposto sucessório e substituiu-o por imposto de selo. Resultado: grande parte da riqueza não é tributada.

IRS mantém concentração

Em 1996, os rendimentos dos assalariados e pensionistas pagavam 86 por cento da receita do IRS. Os independentes, os agrícolas, industriais, comerciantes, donos de prédios, de capitais e mais-valias pagavam os restantes 14 por cento. Em 2008, a concentração agravou-se: os assalariados e pensionistas já pagam 92 por cento de todo o IRS. Apenas este ano se aceitou tributar as mais-valias mobiliárias. Resultado: todo o rendimento além dos salários e pensões consegue facilmente fugir à tributação.

IRC esburacado pela evasão

Em 1994, só um terço das 200 mil sociedades pagava IRC. Em 2007, apenas 36 por cento das 379 mil empresas declararam actividade para pagar IRC. Mas cerca de 15 por cento pagaram o famoso pagamento especial por conta. Ou seja, mesmo com o pagamento especial, metade das empresas nada pagou. Em 1994, metade da receita de IRC foi paga por 123 empresas e, em 1995, quase 96 por cento das 200 mil sociedades (até 500 mil contos de facturação) pagaram 17 por cento da receita de IRC. Mas em 2007, os mesmos 96 por cento das empresas (até 2,5 milhões de euros de proveitos) pagaram 21 por cento da receita do IRC. Cresce o número de empresas com prejuízos, repercutindo-se nos lucros futuros. Entre 1989 e 1996, foram 35 mil milhões de euros de prejuízos fiscais (78 por cento do lucro tributável). De 1997 a 2002, mais 52,9 mil milhões (56 por cento do lucro tributável). E só nos cinco anos de 2003 a 2007 somaram 44 mil milhões (37 por cento do lucro tributável). Só este ano o Parlamento reduziu de 6 para 4 anos o número de exercícios em que se pode abater aos resultados. Resultado: um universo significativo das empresas não paga imposto, mas continua a existir.

Sinais exteriores de riqueza

Após dez anos de aplicação da Lei 30-G que penaliza as manifestações de fortuna, o Fisco continua sem acesso directo à informação que permite aplicá-la. A IGF criticou o Governo por nunca ter estabelecido a ligação directa entre o Fisco e as conservatórias do registo predial e do automóvel. O controlo dos barcos e aviões particulares é defeituoso. A própria lei dificulta a cobrança e o Fisco não fiscaliza - por ordem superior - barcos ou aeronaves. Resultado: nem as fortunas manifestadas no consumo são acompanhadas.

Métodos indiciários

Se a empresa omite facturação, o Fisco pode estimar a actividade por métodos indirectos, através dos "indicadores objectivos de base técnico-científica". Foram sugeridos pela comissão Silva Lopes em 1996, à semelhança de outros países. Estão na Lei Geral Tributária desde 1998, mas nunca foram aplicados, por pressão dos empresários. PS e PSD foram hesitando e adiando. O actual secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Sérgio Vasques, admitiu que o OE de 2011 trará novidades. Resultado: elevados rendimentos não foram tributados por falta de métodos de tributação.

Benefícios fiscais

Sousa Franco, ex-ministro das Finanças de Guterres, criticou os governos por cederem à pressão dos lobbies nos BF. Passados 15 anos, os dirigentes do Fisco queixam-se do desvirtuamento dos BF, sem que a lei mude. A própria IGF tem feito auditorias e concluiu que os BF e isenções fiscais (SGPS, por exemplo) são usados apenas por grupos económicos (em 2007, os fundos de investimento movimentaram 39 mil milhões de euros e pagaram de imposto 242 milhões de euros). As medidas de combate ao planeamento fiscal agressivo de 2007 foram frouxas, o Governo cedeu às pressões e Sérgio Vasques afirma-se insatisfeito. Resultado: milhares de milhões de euros conseguem evitar a tributação.

Sigilo bancário e fiscal

Dois tabus que unem os partidos à direita e as associações empresariais, mas que não existem em países como a Suécia. Os governos foram lentamente evoluindo. Desde ser contra, em 1995 - o ministro Sousa Franco foi o autor do sigilo bancário na década de 70 quando o jornal O diário divulgou as dívidas bancárias de Sá Carneiro -, até hoje, em que está previsto um mecanismo de acesso a saldos bancários de todos os contribuintes. No sigilo fiscal, a posição evoluiu de um "não" até se aceitar a divulgação das dívidas fiscais de quem já ultrapassou todas as fases de execução fiscal. Resultado: a evasão fiscal beneficia do sigilo

18 outubro 2010

A Revolução Traída#2

A Sociedade das Nações defende o statu quo: não é a organização da "paz"mas sim a da violência imperialista da minoria contra a imensa maioria da humanidade. Esta "ordem" só pode ser mantida por meio de guerras incessantes, pequenas e grandes, hoje nas colónias, amanhã entre as metrópoles. A fidelidade imperialista ao statu quo só tem um carácter convencional, temporário e limitado. A Itália pronunciava-se ontem pelo statu quo na Europa, mas não em África; qual será amanhã a sua política na Europa, ninguém o sabe. Mas a modificação das fronteiras na África já teve a sua repercussão na Europa. Hitler permitiu-se fazer entrar as suas tropas na Renânia porque Mussolini invadira a Etiópia. Seria difícil contar a Itália entre os "amigos" da paz. Entretanto, a França tem mais interesses na amizade italiana do que na amizade soviética. A Inglaterra, por seu lado, procura a amizade da Alemanha. Os grupos mudam, os apetites subsistem. A tarefa dos partidários do statu quo consiste, na realidade, em encontrar na Sociedade das Nações a combinação de forças e a camuflagem mais cómoda para a preparação da próxima guerra. Quem virá a começá-la, e quando será, depende das circunstâncias secundárias, mas será necessário que alguém comece, porque o statu quo não passa de um vasto pelourinho." (...)

L. Trostky, a Revolução Traída (introdução de Pierre Frank), Lisboa, Edições Antídoto, 1977, p.211

15 outubro 2010

Saudações para a Marcha LGBT 2010 de Belgrado


“Foi um dia muito triste para a Sérvia”, disse o ministro da Defesa, Dragan Sutanovac. Tadic prometeu que os pessoas responsáveis por esta violência serão julgadas: “A Sérvia garantirá os direitos humanos a todos os cidadãos, independentemente da sua diversidade. Ninguém tolerará tentativas de os pôr em causa”, assegurou o Presidente."

notícia no Público em 10/10/2010

08 outubro 2010

A Revoluçao Traída

(...) "O proletariado tem necessidade do Estado, todos os oportunistas o repetem", escrevia Lenine em 1917, dois ou três meses antes da conquista do poder, "mas esquecem-se de acrescentar que o proletariado só tem necessidade de um Estado que vá desaparecendo, isto é, um Estado que cedo começe a desaparecer e não possa deixar de desaparecer. " (O Estado e a Revolução), Esta crítica era, no seu tempo, dirigida contra os socialistas reformistas do tipo dos mencheviques russos, dos fabianos ingleses, etc.; hoje, esta crítica volta-se, com força redobrada, contra os idólatras soviéticos e o seu culto do Estado burocrático que não têm a menor intenção de "desaparecer".
(...)
A partir de 1918, isto é, do momento em que o partido teve de considerar a tomada do poder como um problema prático, Lenine ocupou-se sem cessar da eliminação destes "parasitas". Após a subversão das classes de exploradores, explica e demonstra em O Estado e a Revolução, que o proletariado destruirá a velha máquina burocrática e formará o seu próprio aparelho de operários e de empregados, tomando, para os impedir de se tornarem burocratas, "medidas estudadas em pormenor por Marx e Engels: 1ºelegilbilidade, mas também revogabilidade, a todo o momento; 2º remuneração não superior ao salário de um operário; 3ºpassagem imediata a um estado de coisas no qual todos desempenharão funções de controlo e vigilância, no qual todos serão momentaneamente "burocratas", ninguém podendo, por isso mesmo, burocratizar-se". Seria errado pnsar que se trata para Lenine de uma obra que exija dezenas de anos, não, é um promeiro passo: "Pode-se e deve-se começar por ai a revolução proletária".
(...)
p.92-93
L. Trostky, a Revolução Traída (introdução de Pierre Frank), Lisboa, Edições Antídoto, 1977.

02 outubro 2010

Grande Prémio do Romance e Novela da APE 2010



O livro de Rui Cardoso Martins é engraçado. Num bom ritmo faz-nos entrar numa historieta que se desenrola entre alguns dos mistérios da cidade de Lisboa. Mais interessante que isto, fá-lo através de uma personagem principal invisual permitindo-nos o exercício, invulgar e exigente, de nos colocarmos (não da forma condoída e caritativa) na pele de um patrício nas suas dificuldades prosaicas como nas suas inusitadas experiências.
É difícil, no entanto, compreender que daqui decorra um prémio desta natureza para um livro que, no essencial, não consigo resumir de outra forma. Ou seja, um romance que, nas suas qualidades, não vem acrescentar outras nem iluminar novos caminhos à literatura portuguesa.